No meu país, a cada 100 mil crianças de 5 anos, 41 morrem
anualmente devido à poluição do ar. No total, esse é o motivo por trás
de 50 mil mortes por ano no Brasil.
Esse é o pior dado de um problema quase sempre invisível,
que traz muitas outras consequências para as vidas de todos nós. Sabemos
que 93% das crianças do mundo estão expostas a níveis de materiais
particulados muito acima dos considerados seguros pela OMS. Além de
complicações respiratórias crônicas, esses poluentes chegam às nossas
correntes sanguíneas e, assim, causam diversos outros problemas de
saúde.
Ainda dentro de nossas barrigas, nossos bebês podem sofrer
com atrasos no crescimento e prematuridade. Em nossos filhos, a poluição
prejudica suas conexões neurais, impactando em habilidades psicomotoras
e desenvolvimento cognitivo. Nos adultos, a péssima qualidade do ar que
respiramos está relacionada a mortes por doenças pulmonares, doenças
cérebro-vasculares, doenças do coração e câncer do pulmão.
Eu cresci em uma das cidades mais poluídas do Brasil, São
Paulo. Passei a vida sofrendo com crises alérgicas e respiratórias sem
saber sua verdadeira causa. Quando meu segundo filho nasceu, decidi sair
de São Paulo e a poluição foi um dos principais motivos. Me mudei para
uma cidade menor e, milagrosamente minhas crises alérgicas
desapareceram. Meus filhos crescem saudáveis e sem grandes problemas
respiratórios, em contato direto com a natureza todos os dias.
Essa não é, no entanto, a realidade de muitas crianças que
não têm a oportunidade de “fugir” dos lugares onde a poluição é pior. E,
por elas, devemos agir. Foi o que pensamos quando formamos um grupo de
mães dispostas a enfrentar os privilégios da indústria automobilística
no Brasil.
Num país onde a taxa de desemprego é superior a 14% e onde
27 milhões de pessoas vivem na pobreza, sabemos que cada emprego é
importante. Por isso, quando algumas empresas do setor automotivo de São
Paulo ameaçaram fechar suas portas e deixar o Estado, o Governo correu
para liberar dinheiro público para que elas mantivessem suas atividades.
Em 2019, foi aprovada uma lei que concede subsídios ao setor automotivo
na forma de financiamentos de até R$ 10 bilhões para a expansão de
fábricas. Caso optem por pagar antecipadamente o valor, os descontos
podem chegar a 25%. Para acessar esses recursos públicos, basta que
essas empresas gerem apenas 400 empregos.
Além do número insuficiente de novos empregos – no Estado
de São Paulo vivem mais de 44 milhões de brasileiros –, o governo
estadual não exigiu dessas empresas nenhuma contrapartida ambiental. As
empresas automotivas internacionais que produzem veículos no Brasil não
adotam por aqui as mesmas tecnologias que adotam em seus países de
origem. Aqui, fabricantes como Volkswagen e Mercedes-Benz não produzem
os veículos híbridos e elétricos que já são vendidos em seus países e
nem mesmo veículos adequados às normas Euro 6 que entraram em vigor na
Europa em 2013. Ou seja, sequer trazem para o meu país a tecnologia que
já adotam em suas matrizes há quase uma década.
O Brasil, no entanto, já possui um programa nacional para o
controle da poluição do ar por veículos automotores, que determina a
fabricação e comercialização de veículos cada vez mais poluentes com
prazos bastante razoáveis. Mas a Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (ANFAVEA) insiste em adiar ano após ano a
implementação das medidas necessárias para a adequação a essa lei. Um
estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade demonstrou que, caso esse
programa fosse implantado em 2020, como a lei previa inicialmente,
apenas em seis regiões metropolitanas do Brasil (São Paulo, Rio de
Janeiro, Belo Horizonte, Vitória, Curitiba e Porto Alegre) seriam salvas
10 mil vidas, com uma economia de R$ 4,6 bilhões em produtividade e
internações hospitalares.
Achamos essa situação extremamente injusta, por isso
decidimos questionar na Justiça o uso do nosso dinheiro por empresas
multinacionais que aparentemente não estão preocupadas com as nossas
vidas e de nossos filhos. Formamos um pequeno grupo de mães e pais para,
num primeiro momento, ter acesso aos projetos que estão sendo avaliados
para a concessão do financiamento com dinheiro público. Agora, estamos
preparando uma nova ação para questionar a legalidade desses incentivos
justamente em um momento em que devemos focar o máximo possível de
investimentos na transição para uma economia zero carbono. Queremos que a
lei seja pelo menos reformulada para incluir exigências ambientais
justas e ambiciosas, que nos coloquem na rota da necessária evolução
tecnológica e ética deste momento histórico que vivemos. Nosso apelo é
que a Justiça brasileira reconheça que políticas públicas como essa,
assim como a era dos combustíveis fósseis, devem ficar no passado.